Conheça essa subcategoria da literatura de terror que tem H.P. Lovecraft como principal representante, com suas obras fantasiosas e macabras.
Um cientista se depara com um acontecimento insólito.
Homem racional e cético, resolve desvendá-lo e começa a investigar por conta própria. A cada novo indício encontrado, fica mais evidente que o ocorrido não obedece às leis criadas pela ciência humana; mas, dotado da curiosidade e da soberba características dos homens de razão, ele persiste.
Quando enfim encontra o agente ou a causa do evento, é tarde demais: trata-se de algo que sua mente não é capaz de entender.
Acaba enlouquecendo ou suicidando-se.
[...]
Em algumas linhas, essa é a essência de uma narrativa de horror cósmico, ou medo cósmico. Assim ficou conhecida a vertente literária que, a partir do começo do século 20, consolidou-se entre autores de língua inglesa e cujas características, hoje, são encontradas em tantos livros, filmes, séries e games.
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O termo horror cósmico foi muito usado pelo autor norte-americano Howard Phillips Lovecraft (1890 - 1937) para designar seu próprio projeto estético.
Ilustração de Chutlhu, o monstro marítimo de Lovecraft.
Criador do aclamado Mito de Cthulhu (imagem acima) – um universo ficcional povoado por monstruosidades “mais antigas que o tempo e maiores que o espaço” –, Lovecraft acabou por se consolidar como o principal nome dessa categoria literária. Tão estreitos são os laços que, atualmente, as narrativas de horror cósmico também são chamadas de “lovecraftianas”.
Assim, os relatos de horror cósmico remetem ao "começo de todos os seres [...] e estabelecem um limite intransponível para o conhecimento e entendimento humanos sobre esse princípio”. São narrativas que oferecem vislumbres do caos primordial, muitas vezes na forma de criaturas indescritíveis. E, por isso, afastam-se dos temas religiosos que, muitas vezes, são as fontes de assombro na literatura de horror (na forma de demônios, principalmente).
SOMOS UM GRÃO DE POEIRA
Na obra de Lovecraft, assim como nos livros de inúmeros autores com quem ele se correspondeu e por ele foram influenciados, o verdadeiro horror nasce da consciência da nossa insignificância diante do caos primordial.
Seus relatos não permitem que nos esqueçamos de que somos poeira, e nada mais; também nos lembram de que basta o despertar de alguma entidade antiquíssima para, como poeira, sermos varridos da existência.
É importante notar que, embora delimitado pelo autor de O chamado de Cthulhu, o território do horror cósmico já havia sido explorado por escritores que o antecederam. No tratado "O horror sobrenatural na literatura", publicado pela primeira vez em 1927, Lovecraft cita algumas obras:
O grande Deus Pã (1894), do galês Arthur Machen;
O Rei de Amarelo (1895), do norte-americano Robert W. Chambers;
Os Salgueiros (1907), do inglês Algernon Blackwood
E não podemos esquecer das obras (ou algumas, se não a maioria) do maior ídolo de Lovecraft – seu conterrâneo Edgar Allan Poe.
No final do artigo deixarei algumas dessas obras citadas acima para download.
Leia também: EDGAR ALLAN POE - VIDA E OBRA
A MAIS INTENSA EMOÇÃO
O Grito, obra de Edward Munch, pintada em 1893.
No entanto, é fora da ficção que encontramos um nome fundamental para a estética do horror cósmico – e das narrativas modernas de horror no geral.
Trata-se do filósofo irlandês Edmund Burke (1729 - 1797), autor do ensaio "Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo" (1757). A importância de Burke vem do fato de que, para ele, o horror assume papel central na constituição do sublime – ou seja, da mais intensa emoção que podemos experimentar. Afirma ele que:
"Tudo que seja de algum modo capaz de incitar as ideias de dor e de perigo, isto é, tudo que seja de alguma maneira terrível ou relacionado a objetos terríveis ou atua de um modo análogo ao terror, constitui uma fonte do sublime. Isto é, produz a mais forte emoção de que o espírito é capaz."
Para o filósofo irlandês, o sublime afeta nosso espírito em quatro diferentes níveis. Três são inferiores: admiração, reverência e respeito; já o quarto, e mais intenso, é o que estamos abordando aqui: assombro.
Acima um gif que montei utilizando uma das cenas mais populares do cinema de terror, a "cena do banheiro" do filme Psicose de 1960, onde a atriz Janet Leigh no papel de protagonista retrata o mais puro assombro. Essa cena lembra a obra O Grito, que foi mencionada acima no início deste tópico.
De acordo com os pesquisadores brasileiros Júlio França e João Pedro Bellas, este seria o efeito acarretado pelas histórias de horror cósmico.
No artigo “Os desdobramentos estéticos do medo cósmico: o riso bakhtiniano, o horror lovecraftiano”, França e Bellas afirmam que, ao experimentar esse tipo de sensação, “o indivíduo torna-se incapaz de agir e de pensar”.
Encontramos em Burke a justificativa para essa prostração: quando está assombrado, “o espírito sente-se tão pleno de seu objeto que não pode admitir nenhum outro, nem, consequentemente, raciocinar sobre aquele objeto que é alvo de sua atenção”.
BAIXE ALGUMAS DAS OBRAS
Como prometi, disponibilizarei as obras aqui citadas em versão digital para download, para baixar clique nas imagens ou no link acima das mesmas.
O GRANDE DEUS PÃ - ARTUR MACHEN
O REI DE AMARELO - ROBERT W. CHAMBERS
OS SALGUEIROS - ALGERNON BLACKWOOD
INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA SOBRE A ORIGEM DE NOSSAS IDEIAS DO SUBLIME E DO BELO - EDMUND BURKE
UMA FORÇA IRRESISTÍVEL
Para concluir, vejamos a definição que o próprio Lovecraft fornece, em seu já mencionado tratado, para a expressão “horror cósmico”: é “a ficção na qual o horror que se choca com o ser humano é tremendamente superior à sua capacidade de suportá-lo”. Em outras palavras: diante do caos primordial (ou do mito cosmogônico), tamanho é nosso arrebatamento que não somos capazes de raciocinar. De acordo com Burke, essa força é “irresistível”.
Como foi citado no exemplo ao início do artigo, essa força irresistível pode levar um ser humano à loucura ou o suicídio, tamanho o choque.
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De fato: quase um século depois, aqui estamos, bem pouco capazes de resistir aos apelos dessas narrativas. A julgar pela enorme quantidade de livros, de filmes, de séries e de games que surgem a todo momento, o mito cosmogônico continua tão – ou até mais – fascinante do que na época de Lovecraft.
O fenômeno é justificado, também, pelos avanços da física quântica, com temas que estão ampliando os limites do horror cósmico.
Por tudo isso, é cada vez maior o número de personagens de obras ficcionais dispostas a espiar pelas frestas do tempo e do espaço.
Para o azar delas, mas para o nosso deleite como leitores.
Referências: Revista Galileu
Texto original de: Oscar Nestarez,
autor e pesquisador da literatura de horror.
Parabéns ficou muito bom, obg ❤️��✨
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