Eu olhava seu filho desde o dia em que você me deu a ela, quando ela mal podia falar, mas mesmo assim expressando sua gratidão através de um caloroso abraço que me deu.
Aquele foi meu dia mais feliz.
Vi-a crescer, aprender, chorar e rir. Ela me contava de seus momentos alegres, me revelava seus segredos... Mas só quando estava triste. E foi aí que minha raiva por você, que me deu a ela, começou. Você, que mandava ela chorando e com marcas avermelhadas na bochecha pro quarto. O que você fez, seu monstro?
Ela me contou tudo e disse que não era sua intenção. Mas ainda machucou.
No décimo terceiro aniversário dela, eu estava sentado em sua cama, esperando para aproveitar as histórias que ela me contaria, ouvir descrições do gosto do bolo, as amigas rindo; quando ela apareceu no quarto, a ouvi murmurando baixinho. Alguma coisa sobre "muitos brinquedos". Pouco depois, fui atirado numa caixa. Aquela noite, no silêncio, escuridão e solidão, foi quando eu percebi o quão substituível eu era pra ela.
Ouvi ela chorando por mim. Ouvi você batendo nela, e senti meu ódio crescendo dentro de mim.
Depois que ela esqueceu de mim, seu décimo sexto aniversário passou, (eu sei, contei os dias) ela abriu a caixa e me achou mais uma vez. Um olhar de felicidade e nostalgia apareceu em seu lindo rosto. Ela me levou a seu quarto e me contou como sua vida fora enquanto eu estava preso lá. Ela era muito legal comigo, seu amigo velho e empoeirado.
Ficamos acordados até tarde conversando, rindo e relembrando do passado dela.
Eu amei tudo aquilo.
Mas você não me deixou ficar com ela. No dia seguinte veio, do andar debaixo, muito, muito barulho. Esperei, respirando silenciosamente. Vi ela com uma faca brilhante nas mãos e você tentando tomar dela. Como você pôde? Enquanto você pegava aquela faca, eu sentia o cheiro de cerveja que você exalava. Antes mesmo que eu pudesse fazer qualquer coisa, você enfiou aquela faca no meio da barriga dela. Tudo ficou em silêncio.
Ela cambaleou pra trás. Caiu no chão com os olhos abertos.
Eu a vi crescer. Vivi junto com ela. A vi cair. Eu te odeio.
Se apenas eu pudesse te machucar assim como você fez com ela.
Mas eu sou só um ursinho de pelúcia.
Autora: Gabriela Azevedo
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